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A América Latina está liderando o caminho para que as empresas adotem princípios de uma economia do bem-estar. Mas será que isso é o suficiente?

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Published on January 30, 2024

Reflexões da Conferência Encontro+B – Por Marina Gattás, Líder de Cultura e Políticas Públicas na WEAll

Hoje, toda empresa se orgulha de ser ESG ou de apoiar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU por meio de sua responsabilidade corporativa, mas sabemos que isso não é o bastante. Compensar por alguns dos problemas que elas próprias causam ao longo do caminho, como um adicional aos negócios habituais e ao status quo, está longe de mitigar as crises climáticas ou de desigualdades dos nossos tempos, muito menos de sustentar a vida para as gerações futuras. No entanto, existem movimentos empresariais relevantes que fazem parte da Aliança pela Economia do Bem-Estar (WEAll) que estão pedindo mais de seus pares.

Simon Ticehurst e eu, da equipe global da WEAll, sediados no México e no Brasil, respectivamente, tivemos a oportunidade de moldar e participar em outubro do Encuentro+B, juntamente com mais de 800 pessoas de toda a América Latina e do Caribe. A conferência é organizada a cada dois anos pelo Sistema B Internacional, co-fundado por um dos conselheiros fiscais da WEAll, Pedro Tarak, com o objetivo de promover colaboração radical entre setores para tornar negócios regenerativos e distributivos o novo normal. Durante três dias de palestras, painéis e oficinas, fomos convidados a nos debruçarmos sobre o tema central desta edição: o que podemos fazer para acelerar a ação coletiva?

Encuentro+B

Não apenas como podemos acelerar a ação coletiva em toda a nossa região, mas como a colaboração pode se expandir para o nosso entorno de maneiras pragmáticas, ali mesmo, naquele momento. A escolha peculiar do local tinha significado, afinal. Não estávamos cercados por uma natureza deslumbrante que nos lembra o significado da vida e do remorso pela degradação ambiental, nem estávamos inspirados pelos bairros mais modernos e sustentáveis do mundo. Estávamos em Monterrey, em Nuevo León, o maior distrito industrial do México.

Monterrey tem um dos maiores PIBs (Produto Interno Bruto) per capita na América Latina e foi classificada como uma das cidades mais habitáveis do México em 2018, de acordo com uma pesquisa que analisa educação, moradia, economia, emprego, vida familiar e felicidade. Li sobre essa pesquisa em um artigo enquanto meus olhos iam e vinham entre meu telefone e uma nuvem cinza e espessa de poluição que bloqueava o que poderia ter sido uma linha vista do céu e das altas e belas montanhas ao redor da cidade. Outro lembrete de como medidas subjetivas simplesmente não conseguem capturar alguns problemas muito concretos que impactam negativamente nossas vidas e ecossistemas hoje e daqui a várias gerações.

Acelarar a ação coletiva começou com um despertar para a realidade. No palco principal, a palestra de abertura do especialista em regeneração e membro do Conselho Global da WEAll, Eduard Muller, veio para chacoalhar até mesmo os mais iluminados entre nós do nosso sonho coletivo absurdo e ilusório de desenvolvimento sustentável, com um arsenal de dados sobre a sexta extinção em massa e caminhos para sonhar outro tipo de sonho, com um final muito mais feliz, através da regeneração de nossos ecossistemas e relacionamentos. Sua palestra o tornou a estrela do dia, e a oficina que ele conduziu na parte da tarde, sobre como aplicar o modelo dos Três Horizontes, teve a participação de 180 pessoas em uma sala projetada para apenas 60.

Outro destaque no palco principal foi uma palestra de uma das alunas de Eduard, Laura Ortiz Montemayor, que fundou a SVX.MX, um fundo mexicano de investimento de impacto comprometido com regeneração, mitigação climática e equidade de gênero. Ela apontou a incoerência entre os altos fluxos de capital destinados atualmente à mobilidade elétrica, que tem baixo potencial de contribuição para a redução líquida de emissões, em comparação com os valores insignificantes destinados à restauração de ecossistemas, que tem o maior potencial de contribuição para a redução das emissões de gases de efeito estufa, e urgindo todos a seguir as evidências.

Durante as manhãs, o palco principal foi preenchido com exemplos de como o modelo de negócios padrão tem sido desafiado de diferentes maneiras e contextos, e de como é imperativo colocar a vida no centro de todas as decisões de negócios e finanças, enquanto as tardes foram dedicadas a sessões paralelas e aprofundamentos. As duas parcerias mais inesperadas anunciadas, que tocam em questões sensíveis e fundamentais para essa transformação, foram: em primeiro lugar, uma nova rede latino-americana de agências de marketing, comunicação e publicidade comprometidas com impacto socioambiental, liderada voluntariamente por mulheres que compreendem o papel nocivo do marketing e da comunicação na perpetuação do nosso sistema atual e optaram por quebrar esse ciclo; e, em segundo lugar, uma parceria entre a B Lab Global e a BIVA, a bolsa de valores menos tradicional do México, para que todas as empresas listadas lá possam aprender sobre a certificação e práticas da Empresas B.

Antes que eu pudesse ficar totalmente desnorteada com toda a linguagem e códigos de negócios, e cansada de ver o choque das pessoas nas inúmeras vezes em que precisei explicar que eu não trabalhava em uma Empresa B, a entusiasmada Marta Herrera, Secretária de Igualdade e Inclusão do estado de Nuevo León, compartilhou sua experiência liderando a iniciativa Hambre Cero (Fome Zero), com o objetivo de erradicar a fome. Por meio de governança compartilhada e colaboração entre diferentes departamentos do estado e setores industriais, Herrera mostrou o poder da coordenação governamental e da política pública para acelerar a ação coletiva. Ela concluiu dizendo que precisamos não apenas de Empresas B, mas de Cidades B.

Devo admitir que, no intervalo entre confirmar minha participação no Encontro+B e receber a programação completa, estava um pouco apreensiva com a ideia de passar uma semana inteira imersa em conversas sobre empreendedorismo, então o relato de Marta Herrera foi, sem dúvida, um respiro. Meu objetivo na conferência, e como palestrante no painel sobre Política Pública e Regulação, era hastear a bandeira branca do governo como aliado, incentivador, definidor de agendas, mediador de interesses coletivos, facilitador de ação – e não como o inimigo que o neoliberalismo, a mídia e as escolas de negócios pintaram, e que, por mais distorcida que seja essa narrativa, infelizmente corresponde à experiência da maioria das pessoas com o governo em um momento em que nossas instituições falham em atender às necessidades e desejos da população.

O Fome Zero de Nuevo León foi um brilhante exemplo de governança multissetorial que guarda semelhanças estreitas com os princípios e formas de trabalho implementados em Gales, um membro da Parceria Governamental para a Economia do Bem-Estar (WEGo), no âmbito de sua Comissão para as Gerações Futuras. São dois países e contextos completamente diferentes, e até mesmo escopos diferentes, considerando que o Fome Zero é um programa público único e a Comissão para as Futuras Gerações é uma instituição a nível nacional, mas ainda assim ambos têm perspectivas surpreendentemente semelhantes, mostrando-nos que os governos são melhores e maiores quando são co-criadores e co-coordenadores dos processos de mudança. Precisamos dos governos nesta transformação, então é melhor nos prepararmos para trabalharmos juntos.

Ouvimos repetidamente dos fundadores da B Lab e do Sistema B que, embora haja muitos motivos para se orgulhar do progresso do movimento na alteração das práticas empresariais, com agora mais de 8.000 empresas certificadas na região, os números ainda são modestos quando contrastados com a monumental tarefa pela frente. Se cada empresa na Terra fosse certificada hoje, ainda poderiamos estar em apuros. Há uma discussão contínua sobre como tornar os critérios de certificação mais rigorosos em termos de pontuação, para evitar práticas enganosas relacionadas à sustentabilidade ou ao bem-estar (greenwashing e wellbeing washing), bem como tornar o próprio processo de certificação compatível com visões de negócios, culturas e formas de trabalho não ocidentais e não brancas. Houve até mesmo uma oficina inteira dedicada a discutir os critérios de certificação no Encontro+B. Não apenas isso, mas existem mais de 300 milhões de empresas no mundo, e não há nenhuma possibilidade de que elas irão fazer a transição necessária apenas pela força da oração, intenção ou boa propaganda, para atender às nossas metas climáticas.

Embora as Empresas B sejam uma inovação potente que mostra ser possível operar com uma lógica diferente dentro do sistema atual, para mudar o sistema, precisamos minar e remover todos os incentivos existentes que tornam a manutenção do status quo extrativo e exploratório a maneira mais financeiramente viável e burocraticamente eficiente de se operar um negócio. Não deveria ser mais fácil administrar um negócio destrutivo do que um negócio de impacto positivo, da mesma forma que não deveria ser mais fácil administrar uma grande corporação do que uma pequena empresa. Inverter essa lógica exigirá revisar nossas leis tributárias, nossas leis trabalhistas, nossas leis societárias e nossas leis de propriedade, além de redirecionar os investimentos públicos para indústrias e setores de impacto positivo, não extrativas e não exploratórias.

As pessoas geralmente evitam o termo lobby (com razão), mas não consigo pensar em lobistas melhores do que 8.000 donos de empresas cheios de energia e paixão por um tipo diferente de economia, dispostos a agir. Por que não junto com seus governos locais, regionais e nacionais? O Cidades+B, outra iniciativa do Sistema B, está atualmente no meio de uma colaboração radical de dois anos em minha cidade natal, São Paulo, para influenciar mudanças em grande escala e multissetoriais. O movimento B foi muito bem-sucedido em Mendoza, ajudando a aprovar legislação que garante que as empresas de impacto socioecológico tenham prioridade em todas as licitações e contratos governamentais. Para citar Lenin, “há décadas em que nada acontece e semanas em que décadas acontecem”. A aprovação de legislação inovadora se parece muito com isso – uma combinação perfeita entre paciência, oportunidade e algumas pessoas dispostas a repetir a mesma mensagem incansavelmente.

Estender os limites da colaboração além das empresas também ocorreu entre acadêmicos em Monterrey. Em um ambiente extremamente competitivo, no qual os pesquisadores são colocados uns contra os outros, contando quem tem mais publicações, as instituições de pesquisa tendem a acumular conhecimento em vez de compartilhá-lo. Fiquei feliz em saber que, durante uma oficina em que lideranças e professores das maiores universidades públicas e privadas de Monterrey se reuniram para refletir sobre essa questão da competição, muitos na sala se emocionaram devido ao desconforto pessoal e frustração com a forma como as coisas são conduzidas, e ao final da sessão surgiram novas colaborações: uma coalizão de universidades, um esforço coletivo de pesquisa sobre novas economias.

Essa é a força do encontro presencial para acelerar a ação coletiva. Todos nós viemos de origens diferentes, locais diferentes e carregamos nossos próprios viéses na forma como trabalhamos, mas realmente há mais que compartilhamos em comum do que discordamos quando se trata deste inspirador e festivo grupo de líderes latino-americanos. Saí da conferência com as baterias recarregadas por todos os abraços (tínhamos a tarefa de dar 8 por dia por pessoa, e acabamos com 453.790!), por me reconhecer em tantos outros e por ver a evolução desse movimento na América Latina no último ano. Isso não foi apenas uma conferência, foi um espaço catalisador cuidadosamente desenhado e curado para promover a ação coletiva dentro e fora de Monterrey, agora de volta aos nossos escritórios, nos muitos anos que virão.

 

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